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É advogado criminalista e especialista em segurança pública

Sobre atropelamento de jovem de MG: eu me recuso a acreditar que é verdade

Será que não é hora de discutir, com mais seriedade, os limites da resposta judicial diante de casos que se repetem, com a mesma estrutura de sofrimento e impunidade?

  • Fábio Marçal É advogado criminalista e especialista em segurança pública
Publicado em 06/06/2025 às 10h00

Com o devido pedido de perdão por escrever estas linhas em primeira pessoa, faço um desabafo. Me recuso a acreditar que é verdade a história de que um motorista, em Vila Velha, com a carteira de habilitação suspensa, é suspeito de atropelar um jovem de 19 anos, tentar fugir (segundo relato da própria família da vítima) e, ainda assim, ter sido liberado pela polícia.

Respeito profundamente a Polícia Militar do Espírito Santo. Essa é uma instituição centenária que, dia após dia, atua com compromisso e bravura. O trabalho do Batalhão de Trânsito, por exemplo, é de extrema relevância: salva vidas, orienta motoristas e coíbe imprudências que, infelizmente, continuam a ceifar vítimas nas ruas e nas estradas. Essa dedicação merece reconhecimento e aplauso.

Mas o que aconteceu na noite em que Bernardo foi atropelado não pode ser tratado como acidente. Isso é um sinistro, um episódio marcado por uma série de excepcionalidades. O motorista envolvido estava com a CNH suspensa. Há suspeitas de que ele dirigia sob efeito de álcool. E há relatos de tentativa de fuga do local do atropelamento. Trata-se, portanto, de uma sequência de escolhas conscientes, ou seja, dolos que agravaram uma tragédia que poderia ter sido evitada.

É evidente que o devido processo legal precisa ser respeitado. A investigação precisa correr seu curso, com todas as garantias legais e constitucionais. Mas será que não é hora de discutir, com mais seriedade, os limites da resposta judicial diante de casos que se repetem, com a mesma estrutura de sofrimento e impunidade?

Todos os dias há um nome novo na lista da dor. Um novo caso, uma nova vítima, uma nova família que a a viver entre boletins médicos e audiências judiciais, como Amanda Marques, jovem também atropelada em Vila Velha e que perdeu sua vida. O réu do caso Amanda vai a júri popular, mas a espera por justiça parece infinita. Enquanto isso, vidas se perdem, famílias se dilaceram, e a sensação de impunidade se consolida no cotidiano.

Jovem fica em coma após ser atropelado na Rodovia o Sol, próximo a shopping
Jovem fica em coma após ser atropelado na Rodovia o Sol, próximo a shopping. Crédito: Fernando Madeira - Arquivo Pessoal

O mais perturbador é perceber que há esforço. Existem leis, campanhas de conscientização, fiscalização nas ruas. Mas nada disso parece suficiente para conter a imprudência, que se converte em tragédia. Pior: a impunidade parece alimentar esse ciclo de desrespeito à vida alheia.

Eu me recuso, de verdade, a acreditar que isso aconteça. Me recuso, mesmo diante dos fatos, a aceitar que uma vida possa ser ferida ou interrompida com tamanha banalidade. Mas, dia após dia, as manchetes e os casos que chegam até mim me forçam a encarar essa dura realidade. A perplexidade persiste. A indignação cresce. E a esperança de que o sistema funcione como deveria se transforma, lentamente, em um apelo por mudança.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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